quinta-feira, março 27, 2025

Perda de Identidade: A Jornada dos Descendentes Japoneses na Busca por Pertencimento

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Este é um assunto que, confesso, não me sinto confortável discutindo abertamente. As opiniões sobre o tema são vastamente divergentes, e a linha que separa aqueles que consideram a questão como frescura daqueles que valorizam e compreendem a validade dessa experiência é, muitas vezes, tênue.

Em um cenário onde há quem minimize e rotule como simples capricho, enquanto outros reconhecem a profundidade dessa vivência, respeitar todas as perspectivas torna-se crucial. É um tema que suscita debates acalorados, onde só quem viveu ou presenciou de perto compreende a complexidade envolvida. Este espaço não busca impor uma visão única, mas, sim, proporcionar um ambiente para desabafar, onde cada perspectiva é honrada e respeitada.

A complexidade da identidade é uma teia intrincada que muitas vezes se desdobra de maneira dolorosa para aqueles que carregam múltiplas heranças culturais. A história de minha família, marcada pela migração da minha avó do Japão para o Brasil e o casamento dela com meu avô, também descendente de japoneses, e a migração de meu pai, é um relato que se desenrola entre duas nações. Essa experiência é transmitida de geração para geração, moldando o destino de meus filhos de maneira inesperada.

O desabafo do meu filho ecoa com uma melancolia inquietante: “Mãe, eu não tenho lugar no mundo.” A dualidade de identidade que permeia sua vida é evidente nas palavras que expressam seu dilema. No Brasil, é rotulado como ‘japonesinho’ e enfrenta xenofobia. No Japão, a barreira da aceitação se mantém, pois é classificado como ‘gaikokujin’, um estrangeiro.

A trajetória da minha família tem raízes profundas, entrelaçando as histórias do Brasil e do Japão. Meu pai, aos 9 anos, desembarcou no Brasil, onde, eventualmente, casou-se com minha mãe, uma japonesa de pureza física incontestável. Nasci no Brasil, abraçando assim uma dupla nacionalidade. Em São Paulo, imersa na vibrante comunidade japonesa, nunca me senti estranha na minha própria terra. No entanto, uma mudança para uma cidade do interior de Minas Gerais aos 8 anos revelou-me a dura realidade da xenofobia.

Aos 14 anos, uma oportunidade de viver no Japão abriu as portas para um novo capítulo. A liberdade de caminhar nas ruas sem olhares críticos, sem ser entitulada como a ‘japonesinha’ na comanda da mesa do restaurante, era um alívio. No entanto, minha língua limitada traía minha identidade, desfazendo a sensação de pertencimento que inicialmente experimentava.

Agora, ao testemunhar a tristeza de meu filho, fluente em japonês, mas estrangeiro devido ao meu casamento com um brasileiro, sinto a amarga ironia da situação. A revolta dele cresce contra a hipocrisia japonesa, que exalta figuras como Osaka Naomi, mesmo quando sua fluência no idioma é questionável.

A falta de identidade é uma ferida aberta para os descendentes japoneses, presos entre duas nações que, por vezes, os rejeitam. A busca por pertencimento se torna uma jornada árdua e solitária.

Enquanto enfrentamos esse desafio, a rotina diária nos coloca no papel de educadores culturais, desempenhando um papel crucial na desconstrução de estereótipos e na promoção da compreensão mútua. No Brasil, dedicamos nossos esforços a explicar que a identidade japonesa transcende os limites dos estereótipos, ressaltando que ‘arigatou’ é uma expressão de gratidão, não um grito descontextualizado na rua. Rompemos com a visão limitada que nos enxerga como meros reflexos de figuras como Bruce Lee, Jackie Chan ou ‘japonesinha’, reforçando a importância de abandonar piadas preconceituosas que, ao longo do tempo, perderam qualquer resquício de graça.No Japão, enfrentamos a necessidade de esclarecer nuances da nossa identidade. Há japoneses que crescem no exterior sem dominar completamente o idioma, desafiando assim a ideia preconcebida sobre a homogeneidade linguística, e que esses, não possuem o Zairyu card, sendo desnecessário a constante insistência pela sua apresentação em diversas instituições.Enfrentamos o equívoco comum de que todos os brasileiros gostam de samba e football, destacando a vasta diversidade de gostos e interesses presentes em nossa cultura.

A verdadeira aceitação, acreditamos, está em encontrar aqueles que nos veem como seres humanos, além das superficialidades culturais. Nossa busca por pertencimento continua, enquanto desafiamos estereótipos e preconceitos, aspirando a construir um mundo onde a identidade seja celebrada, não perdida.

Esta jornada diária, repleta de esforços para desconstruir preconceitos e promover uma compreensão mais profunda, reflete a resiliência dos descendentes japoneses, que, apesar das adversidades, persistem na busca por um pertencimento que transcende as barreiras culturais e estereótipos limitantes.A jornada de encontrar um lugar no mundo é um desafio, mas é fundamental para a construção de sociedades mais inclusivas e acolhedoras. Afinal, a verdadeira riqueza de uma nação reside na diversidade de suas histórias e na aceitação de suas identidades multifacetadas.

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