Thalita tinha 28 anos quando desembarcou em Aichi, no Japão. Vinda da Zona Leste de São Paulo, o plano era claro: juntar dinheiro em três anos, mandar para a mãe que cuidava da filha pequena, e depois voltar. Ela e o marido entraram em um trabalho de linha de montagem logo na primeira semana. Salário fixo, apartamento simples, vida no modo sobrevivência.
Mas ela não esperava que o silêncio do Japão fosse tão barulhento.
As 12 horas de trabalho se tornaram 14 com deslocamento e horas extras. A comida não tinha gosto de casa. Os dias eram frios, o idioma inalcançável. E o pior: a filha de 4 anos mandava áudios perguntando quando a mamãe ia voltar. Ela dizia “Logo, filha”, desligava e chorava. Sempre no banheiro da fábrica, onde o som dos encanamentos disfarçava sua dor.
“Eu não queria que me vissem fraca”, diz ela. “Mas eu estava em pedaços.”
Durante meses, Thalita se arrastou. Ela dizia pra si mesma: “Mais um dia, depois eu penso”. A vida era contada em minutos até o próximo turno acabar. Até que, em um intervalo qualquer, tudo mudou.
Uma senhora japonesa, funcionária veterana da fábrica, se aproximou e lhe entregou um onigiri embrulhado em papel toalha. Disse com um sorriso pequeno: “Anata no me wa sabishii kedo, kokoro wa totemo kirei”. Que ela entendeu mais ou menos como “Seus olhos são tristes, mas seu coração é bonito”.
Thalita agradeceu com os olhos marejados. Pela primeira vez, sentiu que era vista.
Naquela noite, ela começou a estudar japonês pelo celular, 10 minutos por dia. Criou coragem para falar mais. Começou a sorrir para outros colegas. Dois anos depois, falava bem o suficiente para ajudar nas traduções da fábrica.
Trouxe a filha para o Japão, matriculou-a em uma escola pública. Hoje, trabalha como voluntária ajudando outras mães brasileiras que chegam perdidas, como ela chegou um dia.

“Aquela mulher me deu mais que um onigiri. Ela me devolveu a mim mesma.”